Três pessoas, dois homens e uma mulher, dividem uma noite em um ainda desconhecido apartamento.
Não foi roubo, nem invasão de propriedade. Era como a cena final de um filme, uma casa escura e de porta escancarada, aberta no meio da praia, um dia de tempo feio de céu cinzento. Usaram a casa, velha e esquecida, comida pelos cupins até, para satisfazer as urgências do triciclo.
Tríade, trinômio, trindade, trímero, triângulo, tribo.
Os três se amam e por isso odeiam um ao outro. Estão em constante competição um pelo outro, atos de egoísmo sem fim, nada a ver com aquele amor-utópico-altruísta-biblíco. Estão em constante provação para si próprios e para o mundo. Sentimentos que corroem, de querer bem mas querer um, de querer satisfazer os desejos e inflar o próprio ego, rejeição à ideia de acabar sozinho. Tudo se confunde: um é um, mas também são os outros.
- No final, tudo isso aqui é necessidade - pensa Egoísta, a menina com os olhos castanhos naturalmente arregalados divagando pelo quarto, pelas cortinas, enquanto um deles chega, cabra manso, por trás. - Desejo individual de seduzir um deles, sentimento que corrói, ansiedade e insegurança... Mas urgências satisfeitas, sempre, e uma filosofia de amor livre poligâmico tão boa e tão difícil de rejeitar, sempre pelo menos um apoiado no ombro para ouvir os lamúrios...
O primeiro homem segue seu senso altruísta de dar prazer aos próximos. Termina, satisfeito consigo mesmo, se sentindo bem, de ego inflado. Beija o rapaz que logo sai para o banho, a moça ajoelha. Ele põe as mãos por trás da cabeça. Ele, Desejo, gosta do flerte, do preliminar, da atenção em dobro, de satisfazer em dobro.
Diante de brigas e pressões, queriam definir a relação. Discussões, choros incessantes. Acabam ali, esparramados, na casa, vazia, sozinhos e à sós. Se viram aqui pois a ideia de acabar em três era ruim, mas não era pior do que acabar sozinho.
O segundo homem, Carência, sai do chuveiro, após, e vê a moça e o primeiro homem na cama, se fitando, os olhos castanhos dela refletindo no verde esmeralda do dele. Parece amor, paixão, carinho, cumplicidade, e o segundo homem sente-se roda da frente do triciclo, abandonada, e teme. Quer continuar fazendo parte do triângulo. "Quero que o triângulo represente o tripé, apoio dos três lados, as três pontas firmes fincando no chão mutuamente. Não quero ver um triângulo não-triângulo, que seriam duas pessoas sendo felizes enquanto eu olho de fora. O complicado é que, se por um lado o três signifique ter duas opções, por outro ele significa a real e constante possibilidade de ser a ponta solta do triângulo, de se acabar sozinho.".
Mal sabem que tudo pode ser e deve ser o que se quiser: não tem que fazer nada - basta ser o que se é.
de Beatriz Roedel para o Grupo Tripé